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sábado, 25 de dezembro de 2010

Mundo cão de água português



A visita de Barack Obama a Portugal voltou a colocar a questão da raça no centro da discussão política. Surpreendentemente, foi a raça de um cão


6:16 Quinta feira, 16 de Dez de 2010


Creio que o tempo decorrido sobre a Cimeira da NATO permite que olhemos para ela com aquele distanciamento que permite ver o essencial. É muito raro que eu consiga ter esse tipo de distanciamento sobre os assuntos. Normalmente, tenho o distanciamento que é próprio das pessoas que só conhecem os assuntos pela rama. O distanciamento que permite ver o essencial, em regra, não é tão distanciado.


Vamos, então, por uma vez sem exemplo, ao essencial. A visita de Barack Obama a Portugal voltou a colocar a questão da raça no centro da discussão política. Surpreendentemente, foi a raça de um cão. José Sócrates ofereceu solenemente ao Presidente americano uma coleira de cortiça e Cavaco Silva entregou-lhe, ao mais alto nível, uma estatueta de um canídeo. Apesar de tudo, Obama não sabe a sorte que teve. Parece que a estatueta era de bronze. Podia ser de loiça.

Mais de um ano depois de Barack Obama ter adquirido um cão de água português, a nossa excitação ainda não esmoreceu. Para os portugueses, a Casa Branca continua a ser sobretudo a Casota Branca, onde Barack Obama também vive por especial favor do Bo. É apenas justo que o Presidente americano, tendo escolhido para animal de estimação um bicho que ostenta a palavra "português" no nome, seja premiado com acessórios oficiais e bibelots de Estado. Enfim, o procedimento normal nestes casos. Todos os chefes de Estado proprietários de pastores alemães chegam à Alemanha e são recebidos por uma Angela Merkl eufórica, que os agracia com ofertas destinadas homenagear os cães. Nenhum líder mundial que tenha porquinhos-da-índia consegue sair do país de Gandhi sem um saco de presentes com que os orgulhosos indianos celebram o facto de haver porquinhos com o nome da sua nação em casa de um alto dignitário mundial qualquer. E o Presidente dos Estados Unidos da América não escolheu, para companhia da sua família, um lobo de Alsácia nem um gato persa - para desgosto da Alsácia e da Pérsia, ávidas da soberba projeção internacional que um animal de estimação confere.


Obama, fingindo não perceber a dimensão da honra que nos concedeu, teve a educação suficiente para parecer surpreendido com a popularidade de que o cão goza em Portugal. Simulou a dose de surpresa ideal: nem tão pequena que o fizesse parecer arrogante, nem tão grande que nos fizesse parecer provincianos. Não deve ter sido fácil. Como é evidente, Obama sabe bem que, no dia em que escolheu Bo, estava a produzir dois efeitos importantes: a dar uma grande alegria às filhas e a devolver a glória à pátria de Vasco da Gama. Se os responsáveis pelo protocolo português tivessem um pouco mais de imaginação e arrojo, neste momento Portugal poderia estar ainda mais honrosamente representado nos Estados Unidos. Teria bastado que, juntamente com a coleira e a estatueta, Obama tivesse levado consigo mais um par de oferendas: um frasco de pulgas do Ribatejo e uma carraça da região demarcada do Douro. Sem alterar as rotinas em Washington, reforçava-se o contingente português na Casa Branca - e, se tal é possível, o prestígio.


Ricardo Araújo Pereira

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